O dia em que o erotismo foi banido do mundo

Lentamente o erotismo foi sendo expulso do mundo e o seu espaço, outrora quase invisível, foi sendo paulatinamente ocupado pela extrema visibilidade da pornografia. Não me entendam mal. Não escrevo contra a pornografia. Não perderia tempo com tal impossibilidade. A pornografia sempre existiu e provavelmente sempre existirá. Ela é, de alguma forma, congénita ao sexo. O erotismo, não. O erotismo pode morrer, desaparecer. E de certa forma estamos hoje a assistir à sua morte. O abuso do termo erótico, por exemplo, tornou-se recorrente. É verdade que pode não ser fácil saber onde acaba o erotismo e começa a pornografia, que não é fácil, e é provavelmente inútil, tentar traçar uma linha divisória. Mas chamar erótico a produtos que são claramente pornográficos, chamar a um festival de pornografia, festival erótico, usar o termo erótico como sinónimo, mais ou menos rigoroso, de pornografia, não será apenas um abuso, é algo que se compreende mal. Os pornógrafos passaram a ter vergonha da pornografia ao ponto de terem de lhe dar outro nome? Ou é só uma questão de marketing? Afinal a pornografia é hoje, não por acaso certamente, uma das mais rentáveis indústrias do mundo, pelo que o marketing deve ser uma preocupação constante, e enquanto uns vendem a coisa pura e dura, sem eufemismos, outros talvez a prefiram vender como se outra coisa fosse, ou pudesse ser. Ou será que - visão aparentemente optimista, mas na verdade insustentável – o nosso conceito de erotismo se alargou de tal modo que aí passámos a incluir a pornografia? Isto poderia até ser verdade, se a pornografia não fosse na verdade o cemitério do erotismo. Os pornógrafos do passado sabiam isto. Orgulhavam-se disto. O erotismo era uma parvoíce, um requinte cultural, uma mania sensitiva e intelectual de onde a carne, por vezes, parecia ausente. Contra o erotismo a pornografia expunha a radical verdade da carne. Afinal, diziam os pornógrafos, a nossa imaginação sexual não era uma coisa de perfumarias e lojas de flores, mas de talhos e matadouros. Não há aqui nenhuma ironia, nem nenhuma crítica subjacente. A pornografia terá a sua verdade. Não sou um cruzado religioso a lutar contra essa verdade. Serei apenas, se tanto alcanço, um romântico, não daqueles que tentam opor erotismo e pornografia como se um pudesse substituir a outra, como se vender carne numa perfumaria fosse sequer uma ideia interessante, mas dos que tentam resgatar a sua dama das garras do perigoso dragão, o que não significa considerar que um bom dragão seja só e apenas e necessariamente um dragão morto.

A morte do erotismo é também a morte da suspensão. Hoje suspendemos cada vez menos os gestos, as palavras, a forma como tocamos na mais radical das distâncias: um corpo com alma. O tempo em que vivemos faz o elogio do imediato, da sinceridade, da nudez, da ausência de segredos, da verdade pura e crua. Claro que isto não impede que o que esta ideologia mais segregue seja a mentira imediata, como se falar sem pensar fosse uma forma de maior sinceridade do que pensar antes de falar, ou já agora, coisa improvável no seio desta visão do mundo, não separar uma coisa da outra e falar pensado o que se pensa falando. Hoje espera-se que tudo aconteça carregando num botão. É fácil, é barato, dá milhões. Vende-se a prestações fracas imitações das utopias que perdemos, mas que chegam para imobilizar qualquer gesto de resgate que, em qualquer estranho momento, nos tenha passado pela cabeça.

O erotismo era a nossa utopia sexual. A pornografia é só a sua verdade mais radical, tão radical que só pode ser mentira.